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5 jogos que foram piorados de propósito

Victor Bianchin

14/07/2020 07h00

Videogames não são exatamente o tipo de coisa que você precisa se esforçar para tornar ruins. Fatores como pouco tempo de desenvolvimento, equipes reduzidas e excesso de exigências por parte da chefia são bem comuns e responsáveis pelo fato de que mesmo jogos triplo-A às vezes são cheios de bugs. Quem não se lembra do caso de Batman: Arkham Knight para PC?

Mas, às vezes, a ruindade acontece de propósito, por incrível que pareça. Confira:

1) O Rei Leão ganhou um puzzle chato porque a Disney queria mais dinheiro

Embora muito querido pela geração que cresceu com o SNES, o jogo que adaptava o filme O Rei Leão, lançado em 1994, também marcou época por ser dificílimo. Não bastava apenas pular em hienas e comer insetos: era preciso ter agilidade aguçada para escapar dos inimigos e fazer os pulos na hora certa.

Um dos motivos dessa dificuldade toda foi revelado em 2014 pelo desenvolvedor Louis Castle, que criou o jogo com sua empresa Westwood Studios. Em uma entrevista no YouTube (veja abaixo a partir de 20:00), Castle afirmou que a Disney ordenou a ele que tornasse o jogo mais difícil de propósito, especialmente o começo.

O motivo era que a empresa acreditava que, se as crianças pudessem fazer progresso demais em pouco tempo, elas apenas alugariam o jogo, em vez de comprá-lo. Para não prejudicar as vendas, portanto, seria preciso aumentar o desafio.

Essa medida foi aplicada principalmente na segunda fase, em que Simba corre entre elefantes e girafas. Os desenvolvedores adicionaram um puzzle no final da fase que exigia reposicionar vários macacos em duas árvores diferentes para permitir que Simba fosse arremessado entre eles de modo a ultrapassar a barreira final do estágio. Adivinhar como esse puzzle funcionava era um inferno.

Se você era criança nos anos 90 e tinha um SNES, você com certeza sofreu com esses macacos. Taí o motivo.

2) Battletoads é difícil por causa de um programador sem noção

Battletoads, o clássico do NES de 1991, é celebrado como um dos jogos mais bonitos daquela geração e também um dos mais difíceis de todos os tempos.

E é tudo culpa do programador e designer Mark Betteridge. Em uma entrevista de 2015, o designer Gregg Mayles contou: "Mark, que liderava a equipe de software, era um jogador muito talentoso, então ele nivelava a dificuldade geral do game de acordo com o que ele conseguia executar".

Na mesma entrevista (veja abaixo), Kevin Bayliss, diretor de arte, complementa: "Mark deixou o jogo tão difícil que era preciso ser ágil a ponto de apertar o botão no centésimo de segundo correto".

Para deixar tudo ainda pior, o jogo ainda tinha o engenheiro de software Paul Machacek, o mesmo engraçadinho que inventou aquela palhaçada do Stop 'N Swop em Banjo-Kazooie.

Em uma entrevista de 2018, Machacek revelou: "Eu nunca tentei jogar um Battletoads do começo ao fim. Conforme eu desenvolvia, eu iniciava o jogo diretamente na fase em que eu estava trabalhando e jogava aquela até cansar. Cada vez que eu terminava uma fase, eu então mexia em alguma coisa para deixá-la mais difícil, e então eu chamava um membro da equipe de testes para sentar do meu lado. Se ele conseguia completar a fase, eu a deixava ainda mais difícil. A gente criou deliberadamente fases que eram projetadas para serem extremamente difíceis sozinhas, então imagine uma sequência de nove que formavam um jogo."

Apenas os deuses sabem a leva de engenheiros, médicos e cientistas que a humanidade perdeu porque eles gastaram todos os neurônios quando crianças jogando a fase do Turbo Tunnel.

3) Ninja Gaiden III foi vítima de uma prática predatória da indústria

Se você acha que O Rei Leão foi a única vítima dessa moda de "deixar jogos mais difíceis para evitar que as pessoas aluguem em vez de comprar", está muitíssimo enganado. A prática era padrão na indústria nos anos 90.

Isso porque alugar um game na locadora custava cerca de dez vezes menos que comprá-lo. Como a maioria dos games da época podia ser zerada em questão de dias ou até de horas, valia mais a pena alugar do que comprar.

E é claro que o capitalismo olhou para essa situação e disse: "Opa! Aqui tem oportunidade!".

Logo virou padrão entre as desenvolvedoras americanas criar jogos difíceis de propósito para aumentar o tempo de jogo. Isso incluía, principalmente, alterar jogos japoneses para deixá-los mais desafiadores.

O livro "Untold History of Japanese Game Developers", sem tradução no Brasil, traz um relato interessante de Kouji Yokota, que trabalhou no jogo Gaiares: "Yamamoto-san, o programador, estava encarregado do equilíbrio do jogo, mas o game estava destinado ao mercado estrangeiro. Como lá havia uma tendência de jogar um jogo e depois vendê-lo, além de locadoras, a publicadora estrangeira, Renovation, pediu que a gente fizesse o jogo mais difícil para que não fosse alugado e zerado facilmente. Quando fomos mostrar a demo para eles, disseram: 'Vocês deveriam fazê-lo ainda mais difícil!'. Começamos a ficar preocupados, mas obedecemos. Então, no final, o jogo ficou muito difícil".

Ninja Gaiden III, lançado em 1991 para o NES, foi a epítome dessa prática. A versão americana era brutal: os inimigos causavam o dobro do dano, a plataformação era minuciosa, o contador de tempo era apertado e havia só três continues.

A versão japonesa, em comparação, era bem mais suave: havia menos inimigos e eles causavam menos dano, itens de escudo apareciam com mais frequência e o jogador tinha continues infinitos e um sistema de password para estimulá-lo a tentar de novo.

Se você quiser explorar os games que foram vítimas dessas alterações, eis uma listinha: Streets of Rage 3, Contra Hard Cops, Bare Knuckles 3, The Adventures of Bayou Billy, Double Dragon 2, Resident Evil, Dynamite Heady, Devil May Cry 3 e Alundra.

Em uma ironia do destino, Battletoads foi considerado muito difícil para o público japonês e teve que ser alterado para uma versão mais fácil quando foi lançado por lá.

4) Final Fantasy IV teve cortes nos EUA porque achavam que os ocidentais não saberiam jogar um RPG

Quando Final Fantasy IV foi lançado em 1991, os jogadores japoneses já estavam bem acostumados a esse tipo de RPG. Mas os americanos ainda estavam sendo introduzidos à franquia (apenas o primeiro FF havia sido lançado por lá). Por isso, o jogo foi severamente simplificado para sua versão ocidental.

Itens de cura que atendiam um problema de status específico (como a "maiden's tear" para curar quando você virava sapo) fora eliminados e viraram um único item de cura genérico, que podia ser comprado em qualquer loja. Alguns itens que podiam ser usados como ataques foram removidos e os preços dos itens normais nas lojas foram diminuídos.

Uma área de treinamento que só existia na primeira cidade do jogo japonês foi colocada em todas as cidades da versão americana. Por consequência, missões secundárias que contavam com o personagem dessa área de treinamento tiveram que ser eliminadas, já que ele não podia estar em dois lugares ao mesmo tempo. As cidades também tiveram que ser redesenhadas para abrigar essas áreas.

Feitiços foram removidos, textos adicionais foram incluídos em cutscenes, caminhos foram redesenhados para ficarem mais óbvios e caixas de tesouro foram dispostas de modo a ficarem mais fáceis de achar. Até o manual do jogo foi alterado: ele trazia um passo-a-passo detalhado de como executar a primeira metade do game. A lista completa de alterações é enorme.

Felizmente, os relançamentos do jogo para PlayStation (2001), Game Boy Advance (2005) e Nintendo DS (2008) jogaram todas essas alterações fora e restauraram a versão original com novas traduções para o inglês.

5) Watch Dogs sofre pioras gráficas para evitar comparações entre consoles e PC

O primeiro Watch Dogs foi anunciado na E3 de 2012 e impressionou pela qualidade dos gráficos. Quando o jogo foi lançado em 2014, porém, a empolgação logo virou decepção: os gráficos do jogo na versão para PC haviam sido piorados em relação à demo. O que havia acontecido?

A polêmica explodiu na internet quando, poucas semanas após o lançamento, um modder chamado TheWorse publicou no fórum Guru3D um mod que alterava os gráficos do jogo, tornando-os bem melhores. Esse tipo de mod, em si, não era novidade, mas a questão é que muitas das melhorias presentes no mod já existiam no código do jogo, só estavam desativadas.

A teoria mais levantada para a Ubisoft ter despachado o jogo assim foi de que a desenvolvedora não queria que as versões de console ficassem para trás em relação à de PC. Essa hipótese ganhou força com algumas mensagens encontradas no código do jogo, incluindo a famosa "This is PC only, who cares" ("Isto é só pro PC, quem se importa").

A Ubisoft negou as acusações em um comunicado, dizendo que "a ideia de que a gente pioraria a qualidade de um jogo propositalmente é contrária a tudo que acreditamos". Também afirmou, nesse comunicado, que as opções gráficas estavam desativadas porque poderiam causar instabilidade ou outros problemas.

Em 2016, o produtor do jogo, Dominic Guay, deu uma entrevista em que foi questionado sobre o assunto. Ele argumentou que, quando o jogo foi anunciado em 2012, a atual geração de consoles ainda não havia sido lançada (PS4 e Xbox One saíram em 2013) e que o desconhecimento sobre os novos hardwares impediu que o trailer fosse fiel às capacidades dos consoles.

A verdade talvez nunca seja conhecida. Mas não é a primeira vez que a Ubisoft apronta dessas.

Sobre o Autor

Victor Bianchin é jornalista, já foi editor da revista Mundo Estranho e escreveu um almanaque de games. Ele tem um Rush de estimação e considera a técnica do button mashing algo subestimado.

Sobre o Blog

Em Control Freak você vai ficar por dentro das curiosidades, bizarrices e polêmicas saudáveis do universo dos games.