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9 "homenagens" dos games que acabaram em processinho

Victor Bianchin

18/12/2019 11h34

Algumas semanas atrás, falamos aqui de games acusados de plágio. Bem, o plágio tem um irmão mais novo que é igualmente remelento, porém mais inofensivo: a violação de direito autoral.

E, se você quiser atrair advogados para seu game da mesma forma que um cocô de vaca atrai moscas, o melhor jeito é meter ali alguma grande "homenagem" a algum elemento da cultura pop. Pode ser que o dono da marca adore, claro, mas há boas chances de você ter que se explicar no tribunal.

Eis alguns casos que acabaram do segundo jeito.

1) Ditador condenado não gosta de ser vilão em videogame de guerra

Em 2012, o ex-ditador panamenho Manuel Noriega acreditava que sua imagem pública estava sendo prejudicada.

O motivo seria a prisão onde ele estava, cumprindo pena de 20 anos? Não, é claro que não. Seriam então as condenações por tráfico de drogas, lavagem de dinheiro e assassinato? Não, besteira.

Os culpados por arranhar a imagem de Noriega, obviamente, eram os videogames.

Mais especificamente Call of Duty: Black Ops 2, que traz uma versão ficcionalizada do político (mas com o mesmo nome e aparência, como você pode ver na imagem acima). Noriega ficou sabendo do jogo pelos seus netos e, a partir de sua cela no Panamá, resolveu sacar o famoso processinho.

O processo foi recusado pela corte americana três meses depois, com o juiz declarando que "esta Corte conclui que os direitos da vítima sobre sua própria divulgação são suprimidos pelos direitos dos réus à liberdade de expressão".

Noriega era apenas um de várias personalidades reais que apareciam em Black Ops 2, incluindo o cubano Fidel Castro e o ex-presidente americano John F. Kennedy.

2) Justin Bieber processa o game Joustin' Beaver

Em 2012, um estúdio indie chamado RC3 lançou para Android um jogo chamado Joustin' Beaver que claramente parodiava o cantor canadense Justin Bieber.

O castor que protagonizava o game tinha o mesmo cabelo que Justin e precisava empurrar javalis fotógrafos ("phot-hogs", saca?) para dentro de um rio, além de assinar autógrafos para lontras ("otter-graphs", saca?). Aquele tipo de humor bem early década de 10.

É claro que a equipe de Justin entrou com uma ação de "cessar e desistir". Mas o povo da RC3, muito ousado, resolveu processar de volta, alegando que a Primeira Emenda da Constituição americana garantia a eles o direito de parodiar Bieber e celebridades em geral.

Em seu processo, a RC3 queria uma declaração do staff de Bieber de que ela NÃO desrespeitou a marca registrada de Justin e de que ela NÃO usou seu nome indevidamente. (Embora ela claramente tenha feito as duas coisas.)

O processo da RC3 acabou enterrado por tecnicalidades no mesmo ano. E o jogo saiu discretamente do ar em 2014.

3) O jogo de Friday The 13th não pode mais ser atualizado pois: tretas

Essa aqui não dá pra contar como "homenagem", afinal o jogo Friday The 13th: The Game é oficialmente licenciado e utiliza os nomes, imagens e temas da franquia de filmes.

Ou, pelo menos, usava. Em 2019, rolou um processo bizarríssimo que respingou no jogo de uma forma bem deprimente.

O que acontece é que Victor Miller, roteirista do primeiro filme, usou uma cláusula da Lei de Direitos Autorais americana para pedir direitos sobre a franquia (mesmo ele não tendo participado de nenhuma das sequências). Esses direitos estavam com a Horror, Inc., do produtor Sean Cunningham, que cuida da franquia desde os anos 90.

Essa cláusula prevê que o detentor original dos direitos autorais pode exigir de volta esses direitos na Justiça se ficar comprovado que ele fez um mau acordo na venda dos direitos, por exemplo, ou caso o valor da obra tenha mudado de tal forma que permita um novo acordo.

Há muitas tecnicalidades envolvidas e o caso ainda não está definido, já que ambas as partes estão apelando para instâncias superiores a cada decisão. Mas a essência é que Miller, pelo menos por enquanto, é dono de tudo que foi criado no primeiro filme, como o lago Crystal Lake e o nome Jason Voorhees. Já Cunningham é dono do assassino mascarado (que não aparece no primeiro longa) e dos personagens que apareceram a partir do filme 2.

Obviamente, não dá pra fazer nada de Sexta-Feira 13 só com metade do personagem principal, por isso a franquia está no limbo enquanto a briga judicial perdura.

Isso implica que Friday The 13th: The Game, lançado em 2017, não pode mais receber nenhum DLC ou atualização com conteúdo – apenas ajustes de estabilidade.

E mais uma vez fica comprovada a regra de que não há nada nesse mundo que advogados não possam estragar.

4) Fortnite acha que é tudo dele

Vocês podem cobrar da gente um post no futuro com o título "17 razões corretas ou não pelas quais Fortnite foi processado", e a lista incluiria vazamento de dados, abuso do sistema de loot boxes e a suposta decisão intencional de tornar o jogo tão viciante quanto cocaína.

Mas Fortnite está neste post por um processo até que bastante justo. Desde 2018, a criadora do jogo, Epic Games, tem sido processada por pessoas diversas devido ao uso não-autorizado de passos de dança no jogo.

Essas pessoas incluem o rapper 2 Milly, o ator Alfonso Ribeiro (de Um Maluco no Pedaço), Russell Horning (o garoto que criou o Floss), o ator Donald Faison, do seriado Scrubs, e outros. Até um saxofonista processou.

Todas elas tinham em comum a mesma reclamação: Fortnite copiou na cara dura seus passos de dança e colocou à venda no jogo como "emotes" sem pedir autorização. Ou seja: a companhia está lucrando com as criações dos outros.

A Epic não admite os roubos. No documento que enviou para tentar anular o processo de 2 Milly, por exemplo, ela diz que "ninguém pode ser dono de um passo de dança. A lei de direitos autorais é clara ao dizer que passos de dança individuais e coreografias simples não são protegidas por direitos autorais, mas sim são tijolos de livre expressão que estão em domínio público para coreógrafos, dançarinos e o público em geral usar, performar e aproveitar".

Concorde ou não com a posição da Epic, você há de convir que é muito engraçado a empresa vir com esse discursinho de que "é tudo público" após ela efetivamente pagar a Obsidian para que Outer Worlds não saísse em nenhuma outra loja além da Epic Games Store até 2020.

5) A família de Michael Jackson não quis saber da versão zumbi

O primeiro Plants Vs. Zombies tinha um personagem chamado "zumbi dançarino" que lembrava muito a caracterização do cantor Michael Jackson no videoclipe de Thriller. O personagem dançava e invocava outros zumbis.

O jogo saiu em 2009 semanas antes de o cantor morrer. Em 2010, mais de um ano após o falecimento, a família de Jackson começou a ver problema com o zumbi e abriu um processo de disputa com a PopCap, desenvolvedora do game.

Poderia ter sido um desses casos que se desenrolam por anos, afinal a PopCap poderia se defender dizendo que era uma paródia. Mas o estúdio preferiu ser elegante e comunicou que, para evitar se indispôr com a família do músico, iria alterar o design de seu zumbi.

Foi assim que o zumbi Michael Jackson virou o zumbi discoteca anos 70. E até que ficou muito bom?

6) Donkey Kong ou King Kong?

Esta história é um prato cheio para quem ama curiosidades de bastidores.

O jogo Donkey Kong foi lançado para arcades em 1981. O estúdio de cinema Universal notou o jogo, decidiu que ele violava sua propriedade intelectual e resolveu processar.

Antes do processo ir pro tribunal, a Universal tentou intimidar as subsidiárias da Nintendo com cartas de "cessar e desistir" e exigências de porcentagens. Algumas cederam. A Nintendo, para se defender, chamou o advogado John Kirby, que era conhecido na área. Sua principal linha de defesa era o argumento de que a Universal não possuía de fato os direitos autorais sobre o King Kong.

O julgamento durou sete dias e foi uma humilhação para a Universal. Kirby demonstrou na corte que o estúdio não tinha os direitos sobre King Kong porque, oito anos antes, havia processado outro estúdio, o RKO, para provar que King Kong estava em domínio público. Além disso, o juiz concluiu que seria muito difícil para alguém confundir os dois personagens.

Não apenas a Universal perdeu como foi processada pela Nintendo devido a todas aquelas cartas de "cessar e desistir". O estúdio teve que pagar indenizações para a casa do Mario e a vitória moral serviu para fortalecer a Nintendo no mercado de videogames.

A Nintendo, aliás, ficou tão satisfeita com o trabalho de John Kirby que batizou um certo mascote rosa em sua homenagem.

7) E olha o grito do Tarzan

Em 1982, a Taito lançou um arcade chamado Jungle King em que um rapazote, vestido apenas com uma tanga, se balançava em cipós para salvar uma donzela de inimigos canibais.

Achou parecido com Tarzan? Ora, os donos da marca do Tarzan também! Rolou processinho e a Taito precisou reformular todo seu jogo.

Jungle King virou Jungle Hunt, o personagem principal foi trocado por um bigodudo com roupa de safári e o tradicional grito do Tarzan (porque sim, até isso o jogo tinha) foi trocado por músicas.

8) Super Monaco GP usa marcas reais para adicionar realismo e dá ruim

E você aí achando que a Sega não ia aparecer nesta lista. Post com coisa errada tem que ter a Sega, é tradição.

Super Monaco GP foi um simulador de corrida lançado pela Sega para arcades em 1989. Ambicioso, o jogo obteve uma ótima resposta tanto do público quanto da crítica, sendo que parte desse sucesso foi graças aos gráficos de ponta para a época.

Só que essa aposta nos gráficos foi meio longe demais. Para dar realismo ao jogo, a Sega colocou outdoors, faixas e outras sinalizações estilizadas com os logotipos de marcas reais, só que com os nomes trocados. A cerveja Foster's virou Hoster's, as máquinas Canon viraram Conan, os pneus Pirelli viraram Pibelli e a fabricante Honda virou Henda, entre outros.

O que deu problema foi uma paródia dos cigarros Marlboro – dentro do game, o nome era "Marlbobo". A Phillip Morris processou por quebra de direitos autorais e a Sega foi obrigada a atualizar todos os arcades que já estavam no mercado.

Provavelmente com medo de outros processos, o estúdio se livrou não só do "Marlbobo", mas também de todas as marcas existentes dentro do jogo. Os anúncios foram trocados por propagandas dos produtos da casa ou então simplesmente apagados.

Veja como ficou o antes e o depois (imagens cortesia do site Hardcore Gaming):

9) Todo mundo está em The Revenge of Shinobi

Este jogo é o rei do "vamos usar as propriedades dos outros sem pagar por elas e depois nos ferrar por isso". E é da Sega, claro.

A primeira versão de The Revenge of Shinobi, lançada apenas no Japão em 1989, tinha inimigos idênticos ao Rambo, ao Batman e ao Godzilla. Em versões posteriores lançadas tanto no Japão quanto no Ocidente, esses personagens foram redesenhados para evitar acusações de plágio.

Mas as "homenagens" eram, tipo assim, bem óbvias. Veja alguns exemplos dos personagens antes e depois das alterações.

Se você quiser ver todas as versões "antes e depois" dos personagens, o site Cutting Room Floor tem os sprites bonitinhos.

A única exceção nessa festa toda foi o inimigo baseado no Homem-Aranha. A primeira revisão de Shinobi alterou o vilão para ele ficar MAIS parecido com o herói da Marvel, e não menos. Isso porque a Sega tinha os direitos do personagem e resolveu aproveitar Shinobi para fazer uma propaganda gratuita de Spider-Man: The Videogame.

No entanto, em 2009, o jogo foi relançado para o Console Virtual do Wii e o Homem-Aranha teve a paleta trocada para virar um inimigo genérico cor-de-rosa.

Mandou bem, estagiário do departamento de arte!

Sobre o Autor

Victor Bianchin é jornalista, já foi editor da revista Mundo Estranho e escreveu um almanaque de games. Ele tem um Rush de estimação e considera a técnica do button mashing algo subestimado.

Sobre o Blog

Em Control Freak você vai ficar por dentro das curiosidades, bizarrices e polêmicas saudáveis do universo dos games.