Topo

7 casos em que os dubladores de games se envolveram em polêmicas

Victor Bianchin

07/08/2019 10h00


Trabalhar em um projeto tão grande e complexo como um game é algo que requer um número extenso de colaboradores. E cada um deles, dos programadores aos gerentes de comunidade, representa algum risco para a empresa, seja por meio de reclamações públicas ou vazamentos. Faz parte da aventura de tocar um projeto para o grande público.

E onde mais você encontraria riscos do que nos dubladores, que são justamente o mais próximo que a comunidade gamer tem de celebridades? Diferentemente dos figurões de Hollywood, muitas vezes alheios aos fandoms que alimentam, os dubladores de games geralmente são fãs e muito envolvidos com a comunidade. Infelizmente, essa proximidade também significa que, quando eles fazem besteira, geralmente todo mundo fica sabendo bem rápido. Confira sete casos em que essas polêmicas arranharam os games envolvidos.

1) Nintendo regrava diálogos de dublador de Fire Emblem acusado de abuso sexual

Fire Emblem é uma franquia muito querida pelos gamers, não só pela sua combinação de estratégia e RPG, mas também por conseguir dialogar com o público ocidental de um modo que os RPGs japoneses mais pesados não conseguem. Three Houses, o título mais recente da franquia, saiu este ano e foi mais um passo bem-sucedido na consolidação da marca.

Só que, agora em julho, Fire Emblem foi atingido por uma polêmica inesperada. Chris Niosi, que dubla o personagem Byleth em Three Houses e Heroes (a versão para celulares), foi acusado de assédio e abuso sexual por parte de amigos e ex-namoradas. Após as denúncias virem à tona, Niosi, que também trabalha em seriados e outros games, publicou uma longa e detalhada série de pedidos de desculpas em seu Tumblr. "Isto é sobre eu finalmente, possivelmente pela primeira vez na minha vida, fazer a coisa certa", ele escreveu. "Pode ser também, pela primeira vez na minha vida, o primeiro passo real que eu vou dar para mudar e me tornar uma pessoa melhor". O ator também revelou ter lidado com pensamentos suicidas no passado.

A Nintendo foi rápida em lidar com a situação. Na semana seguinte, o nome de Niosi já havia sido excluído do site da franquia, e a empresa anunciou para a imprensa que irá regravar todos os diálogos de Byleth tanto em Three Houses como em Heroes com a voz do dublador Zach Aguilar. Os diálogos regravados virão em um futuro patch de atualização.

2) Ator de Claptrap (Borderlands) afirma ter sido agredido pelo CEO da desenvolvedora

David Eddings, o ator que faz a voz de Claptrap, declarou em maio que não voltaria ao papel para Borderlands 3, desapontando os fãs. Ele alegou que o motivo era simples: ele queria ser pago pelo serviço. Os trabalhos anteriores teriam sido de graça porque Eddings, na época, era vice-presidente de licenciamento e desenvolvimento de negócios na Gearbox, a desenvolvedora que produz o game.

A história já era meio estranha, e aí Randy Pitchford, CEO da Gearbox, entrou no meio. Ele publicou no Twitter que Eddings estava "azedo e aborrecido por ter sido afastado [do cargo]" e que a ele foi oferecido "duas vezes o valor normal, mas ele recusou".

Isso foi o suficiente para tirar Eddings do sério. Ele publicou uma série de tweets dizendo que sua saída da Gearbox havia sido pacífica e que ele estava disposto a voltar a dublar Claptrap desde que a empresa pagasse a ele uma dívida de US$ 12 milhões em direitos autorais. Segundo Eddings, a Gearbox obrigava seus funcionários a aceitar salários baixos em troca da promessa de receberem uma porcentagem dos royalties do jogo no futuro.

Mas isso era só o começo: Eddings também acusou Pitchford de agredi-lo fisicamente. Em uma entrevista à revista Newsweek após os tweets, ele contou que, durante um evento em 2017, ele se aproximou de Pitchford e contou a ele que uma pessoa chamada "Greg Richardson" estava perguntando por aí quanto custaria para comprar a Gearbox. Ouvir esse nome teria sido um gatilho de raiva para Pitchford, já que Richardson e ele trabalharam juntos no passado e, aparentemente, as coisas não acabaram bem. A reação do CEO foi destemperada: ele empurrou Eddings com força.

Eddings ainda disse que ele foi demitido da Gearbox por causa desse episódio – Pitchford achava que ele sabia de alguma coisa e queria que Eddings revelasse de quem havia ouvido essa história, mas o ator se recusou.

A Gearbox lançou um comunicado dizendo que não iria comentar os detalhes da alteração porque ela era "pessoal". Eddings chegou a dizer, na entrevista, que estaria disposto a voltar a dublar Claptrap se Pitchford lhe pedisse desculpas e pagasse os US$ 12 milhões devidos, mas isso, obviamente, não aconteceu.

3) Judgement vira sucesso de vendas porque vai ser retirado das prateleiras

Como nada é fácil na vida da Sega, o jogo Judgement, que é um spin-off da franquia Yakuza, foi lançado em dezembro de 2018 e, três meses depois, estava sendo retirado das prateleiras por causa de algo que não era culpa da publicadora. O que aconteceu foi que Pierre Taki, que interpreta o vilão Kyohei Hamura no game, foi preso no Japão por posse de drogas ao ser pego com cocaína.

No dia seguinte ao ocorrido, a Sega lançou um comunicado à imprensa dizendo que iria retirar o jogo das prateleiras (físicas e digitais) e interromper imediatamente sua divulgação porque era "a coisa certa a se fazer". Aí pronto: os fãs, curiosos com a notícia e vendo um potencial item de colecionador ao seu alcance, correram para as lojas para obter a versão física de Judgement. As vendas subiram e o jogo chegou ao terceiro lugar no ranking de vendas da Amazon. O mercado de cópias usadas também se aqueceu: o preço de tabela original do jogo era 8.953 ienes (R$ 336), mas, depois da polêmica, dava para encontrar sendo revendido por 45.000 ienes (R$ 1.690).

"Fico chateado que vendeu como se houvesse um pico de demanda na última hora. Por que não compraram desde o início?", disse o CCO da Sega, Toshihiro Nagoshi, em uma transmissão no canal da empresa no YouTube. "Mas fico feliz de qualquer forma", completou. Quando o jogo foi lançado no Ocidente em 25 de junho deste ano, o modelo corporal e a voz do personagem haviam sido substituídos.

Uma curiosidade extra: Pierre Taki também faz a voz do boneco de neve Olaf nos filmes da série Frozen no Japão. Isso fez com que a voz de Olaf fosse trocada em uma atualização da versão japonesa de Kingdom Hearts 3. A Disney também teve que interromper a produção e a venda de DVDs e Blu-rays do filme.

4) Ator reclama que recebeu pouco por GTA e Rockstar não quer mais saber dele

Michael Hollick, o ator que dublou Niko Bellic em GTA IV, ganhou US$ 100.000 pelo trabalho. Bastante dinheiro para um mortal qualquer, mas, considerando a fortuna que o jogo fez, seria de se esperar que os atores recebessem mais.

Em maio de 2008, o ator deu uma entrevista ao New York Times em que abordou a questão. Ele disse que, se o trabalho tivesse sido feito para a TV ou o cinema, ele teria faturado muito mais em royalties (direitos de propriedade intelectual) conforme o produto alcançasse sucesso. Com videogames, ele ganhava o que estava no contrato e pronto.

"Sou muito grato à Rockstar por ter me dado a oportunidade de estar nesse game quando eu não era ninguém", disse Hollick. "Mas é difícil, quando você vê GTA IV por aí como a maior coisa acontecendo no momento, quando eles estão ganhando centenas de milhões de dólares e nós não vemos nenhuma parte desse dinheiro. Eu não culpo a Rockstar. Eu culpo nosso sindicato por não ter feito os acordos necessários para proteger as pessoas que geram as vendas desses jogos. Sim, a tecnologia é importante, mas é com as performances humanas dentro dela que as pessoas se conectam de verdade e eu espero que os atores recebam mais respeito pelo trabalho que fazem dentro dessas tecnologias", afirmou.

Mas é claro que, mesmo com Hollick fazendo questão de isentar a Rockstar, a desenvolvedora ficou bem pistola da vida. Afinal, Hollick recebeu a quantia que concordou receber e que constava em seu contrato. Talvez seja por isso que, meses depois, quando um repórter da MTV entrevistou Jeronimo Barrera, vice-presidente de desenvolvimento de produtos da Rockstar, ele tenha mostrado seu descontentamento. O repórter perguntou se Hollick voltaria a dublar Niko Bellic no primeiro DLC do jogo, ao que Barrera prontamente respondeu: "hell no" (a tradução mais adequada seria algo como "nem a pau").

Mais que isso, a Rockstar teve a cara de pau de pegar falas não aproveitadas da dublagem original de Hollick e usá-las em dois DLCs do jogo. Depois do episódio, a carreira de Hollick como ator foi pro saco (ele só atuou em dois games e fez uma ponta num seriado desde então, além de algumas peças). Fica a dica, crianças: não falem mal da Rockstar.

5) Dublador de Yooka-Laylee ataca minorias e é removido do jogo

Yooka-Laylee, lançado em 2017, foi uma espécie de sucessor espiritual da famosa (e finada) franquia Banjo-Kazooie, mais uma das propriedades da Rare que está encostada em algum galpão da Microsoft, a exemplo de Conker e Battletoads. Financiado pelo Kickstarter, Yooka-Laylee foi feito pelo Playtonic, estúdio independente formado por desenvolvedores envolvidos em Banjo.

Mas o jogo passou por um problemão às vésperas do lançamento. Em 13 de março de 2017, apenas um mês antes de o jogo sair, o youtuber Jon Jafari (ou JonTron), que havia sido contratado para dublar um pequeno personagem no game, fez uma transmissão no Twitch na qual apresentou várias declarações polêmicas contra minorias.

Jafari disse que "nós não precisamos de imigrantes de lugares incompatíveis" (sobre mexicanos), que os brancos nos EUA estão passando por uma "expulsão demográfica", que negros ricos americanos cometem mais crimes que brancos pobres, que o movimento Black Lives Matter não repudia violência e que "ninguém quer se tornar uma minoria em seu próprio país", temendo que os brancos sejam ultrapassados em quantidade por outras etnias.

Dez dias após a transmissão, a Playtonic anunciou que a voz de Jafari seria removida do jogo em uma atualização liberada no dia de lançamento. "Queremos deixar claro que não endossamos ou apoiamos os pontos de vista pessoais de JonTron e que, como um contribuidor externo, ele não representa a Playtonic de nenhuma forma", disse a empresa em um comunicado para o site GamesIndustry.biz.

E é claro que, como todo bom polemista pego falando merda, Jafari publicou um pedido de desculpas depois, dizendo que foi tudo um mal entendido. Aham…

6) Devil May Cry 5 sofre com polêmicas de dubladores

A polêmica começou quando um usuário do fórum ResetEra criou um post apontando que o dublador de Morrison em Devil May Cry 5 (único personagem negro do jogo) era branco e tinha vídeos em um canal do YouTube com vídeos em que usava blackface. Em um dos vídeos subidos, o dublador, que se chama Joey Camen, até mesmo usa a palavra "nigga" (uma ofensa racial muito grave na língua inglesa).

Camen deletou os vídeos imediatamente. Ele publicou um pedido de desculpas que dizia: "Eu sou judeu e cresci em Detroit em bairros majoritariamente negros. As vozes e personagens que eu faço refletem minhas experiências de vida e minha admiração pelas pessoas com quem cresci. Os vídeos que fiz eram paródias com os personagens falando em jargão próprio".

Não foi a primeira polêmica com um dublador de Devil May Cry 5. Reuben Langdon, que faz a voz de Dante, atraiu críticas ao dar uma entrevista para um canal de YouTube em que criticava os movimentos MeToo e Black Lives Matter.

O que a Capcom fez em ambos os casos? Absolutamente nada.

7) Dubladores de My Time At Portia não são pagos e reclamam em público

O jogo chinês My Time At Portia, que combina elementos de simulador e RPG, fez bastante sucesso ao ser lançado no começo deste ano. Mas, nos bastidores, as coisas não iam tão bem.

Dubladores do título foram à internet reclamar de uma série de problemas. Alguns deles não foram pagos, outros foram pagos parcialmente e outros tiveram que trabalhar com salários muito baixos. Além disso, também foi citado que a empresa demorava para responder às queixas de seus colaboradores.

A resposta inicial da Panthea foi meio desastrada. Um desenvolvedor foi diretamente aos fóruns para responder aos posts e tentar justificar os problemas dizendo, em resumo, que os atores haviam concordado em receber uma parte do pagamento quando fizessem o trabalho e a outra depois que o game fosse lançado (as outras denúncias foram ignoradas). Pior: ele disse que a Panthea demorava a responder seus colaboradores porque priorizava "responder e-mails dos fãs".

Posteriormente, a empresa lançou um comunicado oficial dizendo que iria pagar os atores. "Nós ainda somos um estúdio inexperiente e ambicioso e não tínhamos uma estrutura sólida para manter contatos adequados com nossos atores e isso causou muitos problemas", justificou. A partir daí a situação pareceu começar a ser corrigida.

A dubladora Elsie Lovelock deu um último pitaco no Twitter ao comentar o caso. Para ela, o problema da Panthea nunca foi falta de dinheiro, e sim de organização. "Não é que eles estavam segurando o dinheiro e se recusando a nos pagar. Era uma falta de organização tremenda e uma comunicação terrível da parte deles, algo em que eles dizem estar supostamente trabalhando para melhorar".

Sobre o Autor

Victor Bianchin é jornalista, já foi editor da revista Mundo Estranho e escreveu um almanaque de games. Ele tem um Rush de estimação e considera a técnica do button mashing algo subestimado.

Sobre o Blog

Em Control Freak você vai ficar por dentro das curiosidades, bizarrices e polêmicas saudáveis do universo dos games.