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O vento levou: 8 games cujo código foi totalmente perdido

Victor Bianchin

02/11/2020 08h00

Reprodução (Sega)

Em termos simples, o código fonte de um software é uma sequência textual de instruções que, depois de compilada, vira um programa que pode ser executado por uma máquina. Então, em teoria, uma coisa importante né?

Seria de se pensar que as grandes publicadoras guardariam esses códigos em salas tecnológicas com controle de temperatura e acesso especial que requer até as digitais do Papa.

Mas, na vida real, esses códigos muitas vezes vão parar em caixas esquecidas, depósitos sujos, gavetas bagunçadas e até… no lixo.

Confira 8 casos em que jogos importantíssimos tiveram seus códigos perdidos.

1) Final Fantasy 7 (1997)

Reprodução (Square Enix)

Em uma entrevista para o Game Informer em 2019, o CEO da Square Enix admitiu o que os fãs suspeitavam há muito tempo: a empresa havia perdido os códigos de alguns de seus jogos.

"Eu fico envergonhado de admitir, mas em alguns casos, a gente não sabe mais onde o código está", disse ele. "É muito difícil encontrá-los às vezes porque, antigamente, você só os criava e lançava quando ficavam prontos – você não ficava pensando em como iria vendê-los de novo no futuro. Às vezes, os clientes perguntam: 'Por que você não [re]lançou aquele jogo ainda'? E a verdade é que é porque a gente não sabe onde foi parar".

Entre os códigos perdidos mais comentados pelos fãs está a trilogia Final Fantasy para o PS1 (os FF 7, 8 e 9). FF9 foi o que teve mais sorte, com apenas algumas versões em alta resolução dos cenários tendo sido perdidas. Já FF8 passou 20 anos inteiros sem receber nenhum port para lugar nenhum, levando os fãs a especular que seu código havia sido completamente perdido. Só que aí, em 2018, a Square anunciou um remaster para Switch, que saiu em 2019.

FF7 é o caso mais tragicômico. O primeiro port do jogo foi encomendado pela Square para o escritório de Costa Mesa (na Califórnia) em 1997, mesmo ano em que a versão de PS1 saiu. O time americano recebeu o código fonte dos japoneses para trabalhar, mas logo percebeu que se tratava de uma versão não final, cheia de bugs que não existiam no jogo lançado e também com várias cenas sobrando porque ainda não tinham sido cortadas. Essa versão, talvez alpha ou pré-alpha, era tudo que a Square japonesa tinha.

O pessoal de Costa Mesa fez o que pôde para preencher as lacunas e finalizou o port, que saiu em 1998 No entanto, adivinha só, a Square perdeu esse código também! Quando foi re-relançar o port de PC de FF7 em 2013, o pessoal da Square precisou ligar na Eidos (distribuidora no Ocidente) pra ver se eles sabiam onde a master do jogo estava. Provavelmente alguém encontrou, porque o port de 2013 é muito parecido com a versão de 1999. Mas imagina o desespero até acharem esse CD?

2) Prince of Persia (1989)

Reprodução (Ubisoft)

Quando a Ubisoft decidiu incluir o primeiro Prince of Persia como um easter egg de Sands of Time em 2002, ela procurou o criador do jogo, Jordan Mechner. Ele revirou seus arquivos e descobriu, para decepção geral, que o código fonte daquele primeiro game, escrito entre 1985 e 1989 na antiga linguagem 6502, havia sido perdido.

Ninguém ficou mais surpreso que ele mesmo: Mechner havia arquivado tudo que era relativo ao seu clássico jogo de Apple II, desde os vídeos que ele fez do seu irmão correndo e pulando, os quais usou para fazer rotoscopia e criar as animações do protagonista, até os diários que manteve durante a produção.

O código ficou perdido até 2012, quando o pai de Mechner enviou a ele várias caixas de coisas antigas que estavam guardadas em sua casa. Ali, entre as bugigangas de sempre, estavam os três disquetes empoeirados com o rótulo "PRINCE OF PERSIA Source Code (Apple). ©1989 Jordan Mechner (ORIGINAL)."

Reprodução (jordanmechner.com)

A partir daí, Mechner convocou alguns amigos para explorar esses e outros disquetes antigos e recuperar arquivos que haviam sido guardados na década de 1980 e nunca mais acessados. O blog do desenvolvedor conta mais detalhes sobre essa jornada e a redescoberta do código.

O código foi totalmente recuperado e Mechner o colocou à disposição integralmente para os fãs na internet. Você pode baixá-lo de graça.

3) Diablo II (2000)

Reprodução (Blizzard)

Já há muitos anos os fãs da franquia Diablo esperam um remaster do segundo jogo da série. Em 2019, porém, eles receberam a notícia de que isso é praticamente impossível.

Durante um painel na feira ExileCon, os três criadores do jogo original – Max Schaefer, Erich Schaefer e David Brevik – admitiram que o código de Diablo II foi perdido durante a própria produção do jogo. No vídeo abaixo, o assunto começa a partir de 34:20.

"Não só o código, mas todos os assets. Eles foram fatalmente corrompidos", disse Max durante o painel. Erich, seu irmão, completou: "Perdemos tudo. Era para a gente ter um backup, mas negligenciamos isso. A gente passou um ou dois dias em pânico". Na linguagem de games, assets são modelos 3D, sprites, menus, trilhas e outros recursos que são essenciais para o jogo, mas não fazem parte do código fonte.

Os desenvolvedores conseguiram refazer o que faltava a tempo de criar a master do jogo, mas toda a história do trabalho e vários assets se perderam para sempre, dificultando bastante a criação de um remaster.

Isso também aconteceu com o primeiro Diablo, mas o CD do jogo japonês ainda tinha alguns "Symbol Files" escondidos em suas pastas. Symbol Files são como mapas descrevendo tudo que foi gerado na hora de compilar o jogo.

Com isso, foi possível fazer engenharia reversa a partir do produto e recuperar o código inteiro – um trabalho de 1.200 horas que foi feito por um homem só, um fã chamado GalaxyHaxz, com o único objetivo de facilitar a vida dos modders. Ele colocou tudo de graça na internet.

No caso de Diablo II, no entanto, seria necessário refazer todo o jogo a partir do zero para obter o código e criar um remaster. Em abril de 2020, um site francês até sugeriu que esse remaster estaria em desenvolvimento e sairia até o final do ano. No entanto, até agora, nenhum sinal de que esse boato seja verdade.

Nosso conselho que a Blizzard não pediu seria fazer um remake. Porém, considerando a dificuldade que foi para finalmente decidirem anunciar Diablo IV, duvidamos que isso aconteça tão cedo.

4) Silent Hill 2 e Silent Hill 3 (2001/2003)

Reprodução (Konami)

Quando fizemos nosso post de jogos que foram um inferno nos bastidores, quase incluímos a infame Silent Hill HD Collection porque o estúdio que trabalhou nessa compilação, o Hyjinx, sofreu horrores pra conseguir finalizar o produto.

Isso porque a Konami simplesmente perdeu os códigos do segundo e terceiro jogos, fato que veio a público logo depois de a HD Collection ser lançada. Em uma entrevista ao site 1up.com, o produtor Tomm Hulett comentou o ocorrido.

"A gente recebeu todos os códigos fonte que a Konami tinha guardados – e acabou que eles não eram os utilizados nas versões finais dos jogos", disse Hulett. Isso significou não apenas completar as muitas lacunas que existiam, como também reconsertar bugs. "Durante a fase de debug, a gente não teve que lidar só com os bugs próprios de um port, mas também precisamos combater alguns que a equipe original obviamente havia resolvido antes do lançamento", conta o produtor.

"Muitos dos assets, como texturas e sons, tiveram que ser retirados dos jogos finais, e isso traz consigo uma variedade de problemas, especialmente se somado às gambiarras de código que existiam nos jogos originais", continua Hulett. "A gente com certeza estava com as mãos cheias. Acho que, a certo ponto, a Heather [protagonista de SH3] era azul".

Esse dificílimo trabalho fez com que levasse mais de dois anos para a Hyjinx conseguir portar os dois jogos, o que é mais do que o tempo que SH2 levou para ser desenvolvido quando foi criado.

Mesmo assim, a compilação saiu cheia de problemas, incluindo texturas faltando, áudio defeituoso e dessincronizado, framerates que caíam, glitches nos controles e o sumiço da neblina – um componente claustrofóbico importante nos jogos originais. Os reviews foram massacrantes e a franquia foi enterrada – com exceção de Book of Memories, um jogo de PSVita que saiu também em 2012, a HD Collection foi o último lançamento da série.

Tá vendo o que dá não arquivar as coisas direito, Konami?

5) Kingdom Hearts (2002)

Reprodução (Square Enix)

Na E3 de 2013, o diretor do primeiro Kingdom Hearts, Tetsuyo Nomura, deu uma entrevista para falar da franquia, especialmente sobre a versão HD do primeiro jogo, chamada Kingdom Hearts 1.5 HD Remix, que sairia em setembro daquele ano.

Nessa entrevista, que você pode ver abaixo, Nomura revelou que todo o código e assets do primeiro jogo foram perdidos pela Square. "Kingdom Hearts 1 foi criado muito, muito tempo atrás, então os dados originais se perderam", disse ele. "A gente teve que pesquisar e escavar os jogos prontos e recriar tudo para a versão HD. Tivemos que recriar gráficos e, pra falar a verdade, não foi fácil", contou.

6) StarCraft (1998)

Reprodução (Blizzard)

StarCraft Remastered, que saiu em 2017, na verdade era um remake. A Blizzard simplesmente perdeu os arquivos originais do jogo, dificultando bastante o trabalho da equipe do "remaster".

"A gente não tinha código e nem assets", disse o diretor de arte 3D da Blizzard, Brian Sousa, ao site Ars Technica. Por isso, segundo ele, boa parte do projeto foi feita "no olho" a partir de artes conceituais, rascunhos, manuais de instrução e outros documentos usados como material referência. Várias visitas foram feitas à Coreia do Sul para consultar antigos jogadores profissionais de StarCraft.

O que a Blizzard conseguiu fornecer para a equipe foram todos os patches que foram oferecidos para o jogo ao longo de seus 20 anos. E um membro da equipe de áudio tinha guardados os backups das gravações originais de voz e som, o que eliminou a necessidade de refazê-los.

Sousa conta ainda que, como a tecnologia havia evoluído muito desde a produção do jogo original, parte do desafio do remake foi refazer as coisas de um jeito "ruim" que imitasse o original. "Sombras estão no lugar errado e a iluminação é diferente ao longo do jogo", ele disse na entrevista. "Mas a gente quis garantir que, ao jogar StarCraft Remastered, os jogadores reconheçam tudo instantaneamente", declarou.

Aliás, segundo Sousa, a comunidade fez questão de que as coisas "quebradas" do jogo continuassem quebradas no remaster. Isso é que é lealdade!

Curiosamente, poucos meses antes de o remaster sair, um fã encontrou o código do jogo em um CD perdido, colocou à venda na internet e foi contatado pela Blizzard, que queria o disco de volta. Ele devolveu e, em troca, ganhou mimos de merchandising e uma viagem com tudo pago para visitar a BlizzCon.

Reprodução (Reddit / Khemist49)

7) Saints Row 2 (2008)

Reprodução (THQ)

Quando Saints Row 2 foi desenvolvido, o estúdio Volition teve dificuldades para criar três versões do título ao mesmo tempo (Xbox 360, PS3 e PC), então terceirizou o port de PC para outra desenvolvedora. Foi um alívio na hora, mas uma dor de cabeça no longo prazo: por motivos obscuros, ao longo de todos esses anos, a Volition nunca conseguiu localizar em seus arquivos uma versão completa do código de Saints Row 2 para PC.

Isso não seria um problema tão grande se o jogo não estivesse bugadíssimo nesse port. A versão de PC é tão quebrada que a única forma de jogá-la com conforto é utilizando diversos mods criados pela comunidade. E a Volition, sem acesso ao código original, não podia lançar os patches necessários para deixar o jogo decente.

 

A situação foi essa até outubro de 2019, quando a Volition fez uma live no aniversário de lançamento de Saints Row 2 para anunciar que finalmente tinha achado o código. Junto da comemoração veio uma promessa: lançar o tão sonhado patch que faria o título rodar liso no PC.

Já se passou um ano e, até agora, nada de patch. O melhor que temos é um tweet de abril da conta oficial dizendo que o patch está sendo feito "por uma equipe pequena de duas pessoas" e não tem prazo para sair.

8) Sonic The Hedgehog (1991)

Reprodução (Sega)

Esse aqui, na verdade, é especulação, pois não há fatos concretos para comprovar a perda.

Sonic já havia tido quatro jogos principais no Mega Drive (e vários relançamentos dentro da própria plataforma) quando a Sega decidiu criar um port para o Sega Saturn, seu console 32-bit que deveria ter sido o matador de PlayStations (risos).

Foi assim que nasceu Sonic Jam, de 1997, um título que compila quatro games do ouriço: Sonic the Hedgehog, Sonic the Hedgehog 2, Sonic the Hedgehog 3 e Sonic & Knuckles. O detalhe importante é que, para se adequar à engenharia do novo console e adicionar melhorias, todos os quatro jogos foram reconstruídos do zero para esse port.

Com isso, os jogos possuem vários incrementos gráficos, adicionam opções de dificuldade e trazem a inclusão do famoso golpe Spin Dash no primeiro título do ouriço (originalmente, o Spin Dash só havia estreado em Sonic 2). Sonic Jam ainda possuía um mundo hub em 3D que era, na verdade, uma primeira versão do que seria Sonic Adventure no Dreamcast.

E o que tudo isso tem a ver com o código fonte? Bem, TODOS os ports dos quatro games citados que foram feitos desde então são: 1) emulações das versões de Sonic Jam ou 2) reconstruídos do zero, assim como Jam foi.

Isso não significa, necessariamente, que o código original dos primeiros jogos (e, em especial, do primeiro game, que é o mais antigo) foi perdido. Mas é nisso que muitos fãs apostam.

Boa parte dessa lenda urbana se deve ao péssimo port de Sonic 1 para Game Boy Advance em 2006. Era uma versão horrível, com a física bagunçada, som de baixa qualidade, quedas de framerate e problemas de resolução. Foi ali que essa história de "perderam o código" começou.

Enquanto a Sega não aparecer para desfazer o boato, a lenda vai permanecer.

 

Sobre o Autor

Victor Bianchin é jornalista, já foi editor da revista Mundo Estranho e escreveu um almanaque de games. Ele tem um Rush de estimação e considera a técnica do button mashing algo subestimado.

Sobre o Blog

Em Control Freak você vai ficar por dentro das curiosidades, bizarrices e polêmicas saudáveis do universo dos games.